12/11/19
Acções do hoteleiro em caso de força maior
Recentemente, em resposta a uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça relativa ao processo de independência da Catalunha, registou-se uma série de motins e manifestações nas ruas de várias cidades espanholas que, embora não tenham afetado, em princípio e diretamente, os diferentes agentes do sector do turismo, perturbaram claramente a sua atividade porque, como vivemos num mundo em que as relações comerciais estão totalmente interligadas, as acções de alguns afectam os restantes.
Em primeiro lugar, as várias consequências e incidentes resultantes do acórdão do Supremo Tribunal causaram diretamente atrasos e cancelamentos, afectando principalmente os voos.
Os actores a que nos referíamos no primeiro parágrafo eram basicamente dois: as companhias aéreas e, em segundo lugar, os estabelecimentos hoteleiros. Por um lado, temos as companhias aéreas que não puderam efetuar alguns dos voos programados devido a causas como, por exemplo, os impedimentos sofridos pela sua tripulação para se apresentar ao trabalho em tempo e forma e, por outro lado, temos os empresários hoteleiros que se depararam com importantes situações de "no-show" devido à impossibilidade de alguns dos seus clientes se apresentarem no seu estabelecimento por se encontrarem retidos num aeroporto ou por nem sequer se encontrarem na cidade de destino no dia em que deveriam efetuar o check-in. Estes cenários de "no-show" chegaram a causar um desconforto significativo ao empresário hoteleiro que não sabia quais deveriam ser os passos correctos a tomar nas circunstâncias acima descritas.
Se é verdade que, em situações como aquelas em que clientes e hoteleiros se confrontaram nos últimos dias, a responsabilidade ou a causa do acontecimento danoso não é imputável ao cliente, que apenas deseja prosseguir o seu itinerário inicial, não é menos verdade que também não são da responsabilidade do empresário hoteleiro que, devido a uma circunstância alheia à sua vontade e tendo cumprido as suas obrigações contratuais, se interroga sobre o que deve fazer com a cobrança do serviço de que o cliente não poderá usufruir em consequência de acontecimentos alheios e não imputáveis a ambas as partes.
A resposta à questão de saber de que forma seria conforme à lei a atuação dos decisores dos estabelecimentos hoteleiros perante circunstâncias como as acima descritas pode ser encontrada, em princípio, no artigo 1.105.º do Código Civil, que, embora sem o mencionar expressamente, se refere aos casos de força maior e estabelece que "ninguém é responsável pelos acontecimentos que não era possível prever, ou que, embora previstos, eram inevitáveis".
No entanto, com esta redação, poderia entender-se que "ninguém" pode referir-se a qualquer das partes obrigadas. A resposta é sim, mas não. Neste caso concreto, a disposição do Código Civil, no entendimento deste articulista, limita um eventual pedido de indemnização por danos eventualmente devidos por incumprimento contratual e, neste caso, o incumprimento é feito pelo cliente ao não (poder) comparecer para usufruir do serviço contratado. Só é responsável pelo pagamento de uma indemnização quem for culpado de dolo, negligência ou incumprimento das suas obrigações. Na minha opinião, a redação do artigo 1.105 do Código Civil não pode ser entendida como uma forma de isentar as partes que assinaram um contrato do cumprimento das obrigações que contratual e legalmente são exigidas a cada uma delas.
Assim, da mesma forma que é obrigação do operador hoteleiro manter os lugares reservados disponíveis para os hóspedes, estes devem cumprir a obrigação de pagar pela prestação de um serviço mesmo que não tenham podido utilizá-lo. Dependendo das condições contratuais, o facto de os clientes acabarem por usufruir ou não do serviço reservado é independente do direito ao pagamento da entidade patronal pelo serviço que deveria ter sido prestado em circunstâncias em que não houvesse força maior, uma vez que o artigo 1.091.º do Código Civil estabelece que "as obrigações decorrentes dos contratos têm força de lei entre as partes contratantes e devem ser cumpridas nos termos do contrato". Em apoio a esta tese podemos aludir à chamada "Teoria do risco", inferida dos artigos 1.096 e 1.182 em conjunto com o artigo 1.452, pela qual um sector maioritário da nossa doutrina e jurisprudência tem interpretado que o dano ou benefício sofrido ou recebido pela coisa será por conta do comprador (viajante), credor da mesma, a partir do momento em que nasce a obrigação de entrega. Deste modo, deve suportar a perda ou deterioração quando esta se deve a um caso fortuito ou de força maior, caso em que deve pagar o preço ao vendedor. No entanto, no caso de uma viagem organizada, o responsável, o adquirente do alojamento, seria o organizador da viagem organizada e não o consumidor, tendo em conta que a aplicação da lei não é exaustiva e terá de ser analisada caso a caso.
Em qualquer caso, e apesar de o proprietário do hotel não ter de assumir qualquer responsabilidade ou despesa pelo acima exposto, sempre de acordo com as cláusulas contratuais assinadas entre as partes, recomendamos, da Tourism & Law Abogados, uma constante cooperação, assistência e colaboração com o cliente.

Inés Aguinaliu (Advogada T&L)
Artigo publicado na edição de novembro do jornal mensal CEHAT