Intrusividade no sector das agências de viagens

12/7/21

Intrusividade no sector das agências de viagens

Neste artigo vou abordar um tema muito atual, - não por ter surgido nestes tempos - mas por causa destas circunstâncias mais difíceis de perda de emprego devido às medidas que tiveram de ser tomadas na luta contra a COVID19, e que não há outra opção senão tentar sobreviver com o que agora se chama há algum tempo de empreendedorismo. A isto acresce o facto de o confinamento pela Covid19 ter dado um grande impulso à utilização de meios online que facilitam em maior escala a mediação turística, o que pode levar a que a atividade das agências de viagens seja exercida na prática por quem não o é.

Não podemos perder de vista que a atividade de agência de viagens está regulamentada, pelo que entrar no sector das agências de viagens sem cumprir os requisitos necessários implica uma intrusão profissional. 

Assim, tal prática representa um elevado risco para o mercado, uma vez que tem consequências em detrimento, por um lado, dos direitos e garantias dos consumidores, por outro lado, da concorrência no mercado, que é qualificada como desleal para as agências de viagens; e, por último, constitui uma infração à ordem pública, na medida em que não cumpre as obrigações legais estabelecidas na regulamentação legal relativa à exclusividade que as agências de viagens têm na organização e venda de viagens organizadas.

É verdade que a necessidade de empreendedorismo acima descrita, se traduz na grande tentação, profundamente enraizada na idiossincrasia malandra do nosso país, de exercer, neste caso, a atividade de agência de viagens por quem não está legalmente inscrito nos correspondentes Registos existentes para o efeito em cada uma das comunidades autónomas, nem, claro, cumprir com o resto das obrigações que por lei devem assumir os agentes de viagens honestos, como o seguro obrigatório de Responsabilidade Civil (em quase todas as comunidades), nem ter a garantia contra a insolvência a favor dos consumidores, nem ser tributado de acordo com o regime de IVA correspondente, etc.? Não me vou alongar mais.

O incumprimento destas obrigações coloca o consumidor numa situação de risco evidente ao contratar sem as devidas garantias. Em segundo lugar, este incumprimento relativamente às agências de viagens significa que estas actuam numa situação de concorrência desleal e, por último, a administração turística competente é obrigada a realizar um trabalho de inspeção, investigação e sancionamento, o que se traduz num investimento de recursos na investigação e repressão deste tipo de atividade intrusiva, que poderiam ser utilizados para outro tipo de acções, como, por exemplo, a promoção do turismo nacional.

Os danos causados ao mercado por este tipo de atividade no nosso país são enormes.

Em suma, estamos a falar de um sector cujos serviços se destinam, em geral, a consumidores finais de férias organizadas com destinos maioritariamente no estrangeiro, que devem, obviamente, ser fornecidos com as maiores garantias e, claro, com o profissionalismo dos agentes que são reconhecidos como tal com a sua inscrição pública nos registos de turismo de cada comunidade.

No nosso país, a regulamentação da atividade das agências de viagens é delegada em cada uma das comunidades autónomas que aprovaram a legislação correspondente, a qual, por sua vez, foi modificada para se adaptar à regulamentação europeia e à sua transposição para a regulamentação nacional.

Como sabem, existem 17 comunidades autónomas, cada uma delas com 17 regulamentos com estatuto de lei que regulam a gestão do turismo no seu território (com algumas excepções), e com 17 regulamentos que regulam em profundidade a atividade das agências de viagens. Não vou analisar e explicar todos os 34 regulamentos, mas apenas de uma forma geral e comum, e tentarei não o fazer de uma forma muito jurídica.

Escolhi, a título de exemplo, basicamente os regulamentos da Comunidade de Madrid, mas poderiam muito bem ser os de qualquer outra comunidade, que, em geral, são muito semelhantes nesta questão da intrusão profissional.

Começo por referir que se definem como empresas turísticas todas aquelas que, a título oneroso e de forma profissional e habitual, de forma permanente ou temporária, prestam serviços no âmbito da atividade turística. As empresas de turismo incluem as empresas intermediárias, às quais pertencem as agências de viagens.

E o que são agências de viagens? Pois bem, consideram-se agências de viagens as empresas que, tendo apresentado uma declaração de responsabilidade à Direção Geral de Turismo, se dedicam profissional e comercialmente ao exercício de actividades de mediação e/ou organização de serviços turísticos, podendo utilizar os seus próprios meios para os prestar, e devem possuir a licença correspondente, ou seja, em Madrid o CICMA (Código de Identificação Comunitária de Madrid, por exemplo, nas Ilhas Baleares é o CIBAL, em Castela e Leão é o CICL, etc.).

Além disso, convém recordar que a atividade de mediação e organização de serviços turísticos considerados como férias organizadas é da competência exclusiva das agências de viagens.

Dito isto, e como consequência, a oferta, realização ou publicidade por qualquer meio de difusão das actividades comerciais das agências de viagens sem estar na posse da licença correspondente será sancionada administrativamente, e os procedimentos correspondentes serão iniciados ex officio ou a pedido de uma das partes.

Consequentemente, a oferta, a prestação de serviços e a realização de actividades sem ter apresentado a declaração de responsabilidade exigida pela regulamentação do turismo é considerada uma infração muito grave, que prevê uma coima de 30 001 a 300 000 euros.

Por outro lado, não podemos deixar de fazer referência às novas tecnologias e à venda online de viagens organizadas e, consequentemente, ao exercício da atividade de agência de viagens, que, para além de todos os regulamentos e obrigações acima mencionados, devem também ser cumpridos os regulamentos específicos da Lei 34/2002, de 11 de julho, sobre serviços da sociedade da informação e comércio eletrónico.

Por último, que medidas podemos tomar em caso de deteção de um intruso profissional no nosso sector?

A questão principal é recolher todo o tipo de provas da atuação do intruso no mercado das agências de viagens, como a obtenção da publicidade que utilizam (brochuras, ofertas, promoções, cartazes publicitários, etc.), bem como impressões em papel das ofertas publicadas na Internet, por exemplo.

A questão é articular e fundamentar corretamente a eventual queixa às autoridades correspondentes, para o que sugiro que recorra ao seu escritório de advogados de confiança para que a queixa seja bem fundamentada e permita, a título indicativo, que o responsável da administração inicie o processo sancionatório contra o intruso.

As acções que se podem tomar e a que administração se deve dirigir dependerão de cada situação concreta, daí a minha recomendação de recorrer a um advogado que dirija bem o assunto, já que pode utilizar várias vias, como uma queixa à Direção Geral de Turismo de cada comunidade onde o intruso desenvolve a atividade, ou apresentar uma queixa às autoridades de cada comunidade no Serviço de Defesa da Concorrência, e/ou exercer as acções correspondentes perante o tribunal civil por concorrência desleal, ou apresentar uma queixa junto das autoridades de cada comunidade no Serviço de Defesa da Concorrência correspondente, e/ou exercer as acções correspondentes perante os tribunais civis por concorrência desleal, ou mesmo, se se tratar de algum tipo de burla ou fraude, perante a jurisdição penal, escolha que dependerá de cada caso concreto.

Em qualquer caso, porém, deve ser argumentado e apoiado pelas provas mais fortes que conseguir encontrar.

José Luis Valencia (Advogado T&L)