16/12/22
Quando uma viagem organizada pode ser cancelada sem custos de cancelamento para o viajante e quando não pode: "Força Maior Pessoal".
Um viajante pode decidir, antes do início da viagem organizada, anular uma viagem organizada sem ter de pagar taxas de anulação ao organizador ou, se for caso disso, ao retalhista, nos seguintes casos quando for informado de um aumento do preço total da viagem organizada (devido a determinados acontecimentos) superior a 8%, quando o organizador modificar significativa e unilateralmente as condições do contrato de forma a provocar alterações substanciais, ou, quando não puder ser cumprido qualquer dos requisitos especiais solicitados pelo consumidor em relação a determinadas necessidades especiais do viajante aceites pelo organizador.
Para além dos casos anteriores, o viajante também pode rescindir o contrato de viagem organizada antes do início da viagem, sem ter de pagar qualquer penalização e tendo direito ao reembolso de qualquer pagamento efectuado "quando se verifiquem circunstâncias inevitáveis e extraordinárias no local de destino ou nas imediações que afectem significativamente a execução da viagem organizada ou o transporte de passageiros para o local de destino" (artigo 160.2. do Real Decreto Legislativo 1/2007, de 16 de novembro, que aprova o texto revisto da Lei Geral para a Defesa dos Consumidores e Utilizadores e outras leis complementares).
Antes da transposição para o direito interno da DIRECTIVA (UE) 2015/2302 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, de 25 de novembro de 2015, relativa às viagens organizadas e aos serviços de viagem conexos, que altera o Regulamento (CE) n.º 2006/2004 e a Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga a Diretiva 90/314/CEE do Conselho, pelo Real Decreto-Lei 23/2018, de 21 de dezembro, que transpõe as directivas relativas às marcas, ao transporte ferroviário e às viagens organizadas e serviços de viagem conexos, o artigo indicava que "em qualquer momento o consumidor e o utilizador podem anular os serviços solicitados ou contratados, tendo direito ao reembolso das quantias pagas, mas devem indemnizar o organizador ou a agência nos montantes a seguir indicados, salvo se a anulação ocorrer por motivo de força maior [...].]".
Quando surgiam litígios sobre a aplicação ou não das taxas de cancelamento, os juízes, sob a égide da legislação anterior, entendiam que, por exemplo, uma causa médica pessoal de um consumidor que o impedisse de usufruir da viagem organizada tal como tinha sido contratada, era uma causa de rescisão por "força maior" e, portanto, não era aplicável a aplicação das taxas de cancelamento previamente informadas ao viajante. Esta situação era prejudicial para os organizadores e retalhistas, uma vez que era o empresário que tinha de "assumir" as consequências do cancelamento de um viajante devido a uma causa não relacionada com a realização da viagem.
Com a alteração de redação ocorrida com a DIRECTIVA (UE) 2015/2302 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, posteriormente transposta pela entrada em vigor do Real Decreto-Lei 23/2018, que altera o Real Decreto Legislativo 1/2007, o legislador europeu eliminou a expressão "força maior pessoal".
Assim, apenasas "circunstâncias inevitáveis e extraordinárias no local de destino" são consideradas de força maior, conferindo ao passageiro o direito de cancelar e obter o reembolso integral de qualquer pagamento efectuado, e que, além disso, mas não só,"afectem significativamente a execução da viagem ou o transporte de passageiros para o local de destino". Por outras palavras, não basta que se verifiquem circunstâncias inevitáveis e extraordinárias no destino, mas estas devem também afetar significativamente a execução da viagem ou o transporte de passageiros para o local de destino e, por conseguinte, um eventual caso de força maior não constitui um motivo de anulação voluntária que dê direito ao reembolso de qualquer pagamento efectuado.
Os juízes espanhóis pronunciam-se neste sentido, por exemplo, na Sentença n.º 14/2021, de 27 de janeiro, da 1ª Secção do Tribunal Provincial de Guadalajara "[...] para o legislador, o motivo da rescisão é irrelevante. Limita-se a reconhecer essa faculdade ("de anular os serviços solicitados"), só que deve deixar ileso o retalhista, que não deve suportar os custos de gestão nem os custos de anulação, se os houver" ou Sentença n.º 86/2022, de 4 de março, do Tribunal de Primeira Instância de Bilbao n.º 11 "a causa da rescisão não pode ser considerada como constituindo força maior [...] o autor justifica que a rescisão do contrato não constitui força maior [...] o autor justifica que os serviços solicitados não foram prestados pelo retalhista, mas que este não deve suportar os custos de gestão nem os custos de anulação, se os houver". ...] a autora justifica que o motivo da rescisão foi a situação de gravidez de risco após a reserva, situação equiparável a uma doença, mas que não constitui força maior para efeitos do artigo 160.º do TR, que se refere expressamente a "circunstâncias inevitáveis e extraordinárias no local de trabalho ou nas suas imediações".
Precisamente para cobrir situações de eventual "força maior pessoal", o legislador estabeleceu, no âmbito do conjunto de obrigações de informação do organizador ou, se for caso disso, do retalhista, ao consumidor, antes de este ficar vinculado por qualquer contrato de viagem organizada ou oferta correspondente, a obrigação de fornecer ao viajante"informações sobre a subscrição de um seguro facultativo que cubra as despesas decorrentes da eventualidade de o viajante decidir rescindir o contrato ou as despesas de assistência, incluindo o repatriamento, em caso de acidente, doença ou morte". (artigo 153.º, n.º 1, alínea h), do Real Decreto Legislativo n.º 1/2007).
Para cobrir situações de eventual "força maior pessoal", os viajantes têm a possibilidade de subscrever uma apólice de seguro que cubra as despesas eventualmente efectuadas. Tudo isto desde que a causa de anulação da viagem alegada pelo anulante conste da redação das condições da apólice, pois é evidente que o seguro nunca cobrirá todas as causas que podem ocorrer no decurso da vida.

Inés Aguinaliu (Advogada T&L)